O novo governo terá que definir com clareza sua estratégia de atuação na área energética como um todo e na condução dos grandes temas do setor elétrico em particular, evitando que a falta de uma direção leve à captura do poder concedente por agendas de segmentos do mercado. A avaliação é do presidente da PSR, Luiz Augusto Barroso, para quem o raciocínio vale tanto para o microcosmo da modernização quando para os macrotemas da transição energética.
O executivo considera fundamental que o governo comece a “dar a cartas”, com uma linha de raciocínio que sinalize a existência de um fio condutor da política a ser seguida. Isso impediria que as arbitragens que hoje são feitas no setor elétrico não cresçam de forma desordenada.
“Não é uma conversa fácil, não é uma conversa rápida, mas é muito importante fazer isso”, aconselhou Barroso, durante entrevista para o programa Vozes da Energia, da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres.
O posicionamento em relação à agenda governamental terá impacto, por exemplo, na revisão do modelo comercial do setor elétrico, um tema que vem sendo discutido desde 2016. Para Barroso, a modernização não é um botão que que vai mudar tudo no dia seguinte, e sim um conjunto de ações para direcionar o setor rumo a uma maior eficiência.
Muito da falta de efetividade das medidas de modernização vem da própria dificuldade do Poder Executivo no direcionamento do tema, reconhece o consultor. Ele considera como principais elementos da mudança no modelo do setor a melhora na formação de preço, o reconhecimento do valor que cada fonte agrega ao sistema e a segurança do mercado.
Na opinião do dirigente da PSR, a situação no setor elétrico só piorou nos últimos quatro anos, com o crescimento de incentivos que geram modelos de negócios baseados na transferência de custos que deveriam ser assumidos pelos beneficiários. “O que esses movimentos todos vem fazendo no setor ao longo de muitos anos, e esse movimento vem sendo acelerado, é causar oportunidade para migrações para o mercado livre e outros modelos que são mais oportunistas, que exportam custos para os consumidores que não tem esses benefícios”.
Nesse contexto entra a abertura do mercado, que demanda uma serie de aperfeiçoamentos regulatórios, como forma de garantir benefícios distribuídos de forma mais equânime, por meio da competição por quem melhor entrega um preço ou um serviço ao setor elétrico.
Transição energética
Um outro ponto que terá de ser endereçado pelo governo é o posicionamento na nova economia que vai emergir com a transição energética. Para Barroso, o Brasil terá se se posicionar como o grande fornecedor global de produtos de baixo carbono, pois tem recursos, marco regulatório, bom ambiente para investimentos privados, agências reguladoras nos setores elétrico e de óleo e gás. Mas, sobretudo, porque o país tem escala, que faz muita diferença nesse processo de descarbonização.
As oportunidades existem e o país terá que se colocar no jogo, de olho em um cenário de corrida tecnológica envolvendo Europa e Estados Unidos, cujos resultados ainda não podem ser medidos. A solução para o Brasil é capitalizar onde pode agregar valor.
Um esforço de coordenação terá de ser feito pelo governo na questão da economia verde, um tema transversal a vários órgãos na atual configuração da Esplanada dos Ministérios. Para o dirigente da PSR, o governo não pode usar a transição energética para resolver o problema da fome no Brasil.
“Não é por aí. O setor energético é muito mais um meio para o desenvolvimento do país (…) do que um fim pra resolver questões específicas”, ponderou, lembrando que o Brasil vai ter que se posicionar bem para aproveitar as oportunidades que surgirão nesta década, que vai até o ano de 2030. Ele acredita que o período será de reparação das verdadeiras transformações que vão ocorrer a partir de 2040.